O CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Embora desde a Roma antiga se visse a construção de moradias independentes superpostas umas às outras, somente no início do século passado nosso ordenamento criou a figura da propriedade horizontal, tal como a entendemos hodiernamente, assim denominada para contrastar com a característica da tradicional propriedade romana: a verticalidade.

Tinham os romanos a visão de que a propriedade imóvel se projetava verticalmente, para o alto, até o céu (ad astra) e para baixo, até o inferno (ad inferos), o que não lhes permitia admitir que o proprietário de um imóvel que se pusesse em dado pavimento de um edifício não fosse necessariamente o dono dos imóveis postos acima e abaixo do seu.

O Código Civil pátrio de 1916, revogado, fruto do pensamento que impulsionou o grande movimento de codificação do século dezenove, nem sequer cogitou da matéria, posicionando-se seu ilustre autor, aliás, inteiramente contra a divisão da propriedade em planos horizontais.

A crescente concentração urbana, no entanto, impôs a verticalização das cidades, apoiada no desenvolvimento da técnica construtiva, fato que precipitou a efusão de uma teoria jurídica que culminou com a Lei 4.591, de 16/12/1964, modificada pela Lei 4.864, de 29/11/1965. Estabeleceu a lei espécie nova de condomínio, que difere do modelo clássico, especialmente sob três aspectos, a saber:

a)             enquanto o condomínio clássico apresenta pluralidade de sujeitos, pertencendo a todos e a cada um dos condôminos a totalidade do imóvel, no condomínio especial, as unidades autônomas são unipessoais;

b)             enquanto no condomínio tradicional se confere aos condôminos preferência na aquisição da cota do condômino retirante e se impõe aos condôminos o consentimento dos demais para ceder a coisa comum a uso de terceiros, no condomínio especial não há preferência em caso de alienação de cota-parte e não se impõe a autorização dos demais condôminos para a cessão de uso da unidade autônoma e partes comuns a terceiros;

c)             enquanto o condomínio tradicional é transitório, sendo lícito a qualquer condômino, a todo tempo, exigir a divisão da coisa, limitando a lei o tempo durante o qual a coisa pode permanecer indivisa, o condomínio especial é permanente e suas partes comuns indivisíveis e insusceptíveis de alienação em separado da unidade autônoma.

Determinou a lei que a cada unidade autônoma correspondesse uma cota ou fração ideal do terreno e das partes e coisas comuns e que cada unidade autônoma tenha acesso direto ou indireto à via pública.

Além do condomínio especial, a aludida Lei 4.591/64 trata da incorporação imobiliária, sendo mesmo conhecida como Lei do Condomínio e Incorporações. Por incorporação imobiliária se entende a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Pode o incorporador acumular a condição de construtor ou não, no último caso contratará com terceiros a execução da obra.

Terá o condômino que se sujeitar às regas da Convenção de Condomínio, observando as restrições nela contidas e obedecendo às normas do direito estatutário, além do direito comum, porque tais regramentos são instituídos em benefício da convivência, a qual nenhum condômino pode legitimamente perturbar.

O código Civil de 2002 incorporou a disciplina do condomínio sem promover mudanças substanciais, respeitando o propósito de acolher na codificação as normas consagradas, revestidas de certeza e segurança, deixando ao abrigo da legislação complementar os direitos em formação. Reproduziu, assim, as disposições da legislação extravagante no que toca ao condomínio, mas deixou ao abrigo da lei especial a regulamentação da incorporação imobiliária, segundo Miguel Reale, por considerar que extrapola a esfera civil.

A inovação mais polêmica diz respeito à inaplicabilidade de multa de mora por atraso no pagamento da Taxa de Condomínio, se tal penalidade não estiver prevista na convenção do condomínio. Neste caso correrão apenas juros à razão de 6% ao ano. A Lei 4.591/64 previa multa de 20% sobre o débito do condômino inadimplente.

A ÉTICA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A expansão ultramarina do reino português, ao tempo em que proporcionou enriquecimento rápido e fácil à coroa, transformou a sociedade lusitana, incutindo nela a aversão ao trabalho, a mania nobiliárquica e a rapinagem. Esta ética portuguesa ocasionou a implantação de uma administração corrupta na colônia brasileira, em que se reproduziram ainda vícios lusitanos, como a excessiva centralização do poder e a adoção de regulamentações caóticas e casuísticas.

Diante da corrupção, ineficiência e arbitrariedade da administração, os colonos desenvolveram redes de relacionamentos pessoais para obter do Estado o que deveria lhes ser dado de maneira impessoal, segundo procedimentos formais, objetivamente regulamentados. A cumplicidade, o apadrinhamento e o clientelismo caracterizaram este relacionamento promíscuo entre o Estado e o cidadão, tudo proporcionando aos que participavam de uma rede importante de relacionamento pessoal, enquanto reservava aos isolados, excluídos destas redes, a lei: dura e impessoal.

O sistema era alimentado pelo paternalismo e pelo nepotismo que empregavam na administração servidores selecionados segundo os critérios de parentesco e favoritismo. Disso resultou que as instituições sociais brasileiras hodiernas, embora regidas por um sistema legal racionalmente concebido, que a todos sujeita, sofrem a influência das redes de relacionamento pessoal.

No Brasil, ainda não se logrou superar a administração patrimonialista. O patrimonialismo confunde o público com o privado. Em lugar dos cargos públicos serem ocupados por verdadeiros servidores, são encarados como espécie de franquias, que “criam dificuldades para vender facilidades”, no interesse particular de seus ocupantes. Ao invés de serviços públicos, os cidadãos buscam favores do Estado, em razão de relacionamentos pessoais com os ocupantes dos cargos públicos, ou em troca de compensações econômicas espúrias. Estes mecanismos suprimem a igualdade e a impessoalidade, retiram a importância do cidadão e ressaltam a do relacionamento interpessoal, fazendo da sociedade brasileira uma organização heterogênea e hierarquizada, em que a lei é aplicada de forma diferenciada, segundo a rede de relacionamento de cada um, determinando o aprofundamento do desequilíbrio social.

O desvio ético herdado dos colonizadores afeta a percepção que a sociedade brasileira tem da corrupção, distorcendo a avaliação que as pessoas fazem dos atos não apenas dos agentes públicos, mas também dos particulares que se relacionam com o poder público. Em lugar de reprovação, a população guarda respeito a admiração por agentes sociais que usurpam o poder público em benefício pessoal; enriquecem ilicitamente no exercício da função pública; desviam recursos públicos; traficam influência; fazem mau uso de informação privilegiada; ou empregam recursos públicos em atividades particulares.

Para o avanço do país, necessária se faz a implantação de uma nova ética no Brasil, substituindo os valores herdados do reino Português por outros, que exaltem o trabalho e a dignidade humana e desprezem o enriquecimento fácil e ilícito. Trata-se de tarefa que exige esforço grandioso, o qual deve ser empreendido contínua e gradualmente. O resultado, como todo produto de um processo histórico, demandará tempo, mas jamais se deverá ter como inatingível.

A Integração Econômica Internacional

“Artigo publicado em 24/11/2003”.

         A substituição do modelo taylorista-fordista de produção pelo modelo de automação industrial já confere o título de século do desemprego aos tempos atuais, impondo expressivas transformações de cunho econômico e político às sociedades capitalistas.

É que enquanto o modelo taylorista-fordista empregava nas linhas de montagem grande número de operários sem qualificação técnica, encarregando-os de executar tarefas singulares como parte do processo complexo de produção idealizado, organizado e disciplinado pelos empreendedores, a automação industrial substitui tais operários por máquinas, abrindo limitados postos de trabalho, que requerem profundos conhecimentos técnicos.

Impotentes para combater as desigualdades e promover o pleno emprego, os Estados nacionais se vêem obrigados a abrirem-se para o mercado externo, transferindo parcela dos poderes inerente à soberania nacional para organizações internacionais representativas de blocos regionais de integração econômica, como a ALCA, o MERCOSUL e a CEE, entre outras, no que consiste o principal aspectos das transformações políticas acima referidas.

Com a integração econômica se busca potencializar a atuação da oferta e da procura, através de economias de escala e do aumento de eficiência econômica das trocas, por meio do livre trânsito de mercadorias, pessoas e capitais.

Três são as fases de implantação da integração econômica: a primeira se refere à instalação da denominada zona de livre comércio, que visa a promover um comércio livre de barreiras tarifárias aos produtos comercializados entre os membros do bloco econômico; a segunda consiste no estabelecimento de tarifas comuns, a serem praticadas pelos membros do bloco econômico, no comércio com terceiras nações; e a terceira fase, de que apenas a Comunidade Econômica Européia – CEE se aproxima, se constitui da instituição de um mercado comum, com livre circulação não apenas de mercadorias, mas também de pessoas e de capitais, com adoção de moeda comum, além da implantação de políticas macroeconômicas comuns, como as políticas fiscal, de juros e de proteção ao trabalhador.

Sob o prisma jurídico, a integração econômica exige a harmonização dos sistemas legais internos dos Estados-membros, através de acordos internacionais, possibilitando a integração política e econômica, que torne mais competitivo o bloco econômico.

Pautada por motivação econômica, a integração internacional têm deixado de lado os interesses específicos dos trabalhadores, que não contam com representantes nos foros de discussão do assunto. Nem mesmo o Ministro do Trabalho do Brasil integra a comitiva de ministros encarregados, por exemplo, das negociações em torno da ALCA, de que é parte o Brasil. Desta forma são tomadas medidas, quanto a relações comerciais e econômicas, sem levar em conta questões de interesse do trabalhador, cabendo aos ministros do trabalho dos países envolvidos apenas a administração das conseqüências dos acordos firmados entre os países do bloco econômico.

Necessário se faz considerar, por ocasião da formação dos acordos internacionais, o impacto da formação de blocos econômicos e da globalização sobre os interesses dos trabalhadores, dando voz ativa a representantes dos mesmos nos debates sobre a integração econômica.

A Conferência Interamericana de Ministros do Trabalho – CIMT, na última reunião do grupo, em setembro de 2003, elaborou documento que sintetiza as preocupações com o impacto da globalização sobre os trabalhadores, o que falta é permitir que ao menos os integrantes CIMT façam parte das discussões em torno da formação dos blocos econômicos, representando os interesses dos trabalhadores.

Principais alterações advindas do novo Código Civil: o direito de empresa

*Artigo publicado em  9 de fevereiro de 2003 no jornal Meio Norte (PI)

Dando seqüência à série de artigos sobre o novo Código Civil, nos debruçamos hoje sobre o tema das sociedades, trazido do âmbito do direito comercial para o do Direito Civil, pelo novo diploma legal.

A classificação dicotômica das sociedades em empresárias e simples sucede a classificação anterior em sociedades civis e comerciais, como produto do processo histórico.

A gênese do Direito Comercial se identifica com o enorme vácuo de poder surgido com a queda do império romano. Deixando de existir um Estado suficientemente forte para regular e tutelar as atividades econômicas, os comerciantes, movidos pela necessidade premente de estabelecer regras para suas atividades, sentiram a necessidade de se organizar em corporações, com poder de legislar, aplicar normas e julgar questões sobre matéria relacionadas com a atividade profissional dos seus afiliados, os comerciantes

A praticidade das normas fixadas pelas corporações de comerciantes, baseadas essencialmente nos usos e costumes, e a celeridade dos processos para solução das dissidências surgidas entre seus afiliados suscitou o interesse da população civil, que passou a buscar no seio das corporações de ofício a tutela de seus interesses, carente da jurisdição estatal. Continuar lendo

Principais alterações advindas do novo Código Civil: novo regime de bens entre os cônjuges

*Artigo publicado em  3 de fevereiro de 2003 no jornal Meio Norte (PI)

Após quase 30 anos de discussão e um ano de sua publicação, entrou em vigor, a 11 de janeiro de 2003, o novo Código Civil brasileiro, Lei 10.406/02, que passa a disciplinar a vida do povo brasileiro.

As profundas alterações que introduz no ordenamento jurídico nacional, com conseqüências diretas no cotidiano das pessoas, determinou o interstício de um ano entre a data da publicação e da entrada em vigor da lei, período denominado vacatio legis. Algumas das principais alterações serão tratadas nesta série de artigos, que se inicia com a abordagem do novo regime de bens entre os cônjuges.

O regime de bens do casamento, que na vigência do Código anterior era irrevogável, pode, pela nova lei, vir a ser alterado no curso do casamento, mediante autorização judicial relativa a pedido motivado de ambos os cônjuges, consideradas as razões aduzidas e ressalvado o direito de terceiros.

É introduzido um novo regime, ao lado dos tradicionais regimes da comunhão universal, da comunhão parcial, e da separação de bens, qual seja o da participação final nos aqüestos, segundo o qual cada cônjuge possui patrimônio próprio, composto pelos bens que possua antes do casamento e os que adquirir durante o casamento, por doação ou herança ou com os frutos de seu trabalho. No caso de bens adquiridos com os frutos do trabalho conjunto, terá cada cônjuge direito à metade do bem ou ao valor correspondente. Continuar lendo